Em setembro de 2009 o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu fiscalização para avaliar o quanto o Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estava preparado para conceder licenciamento ambiental a projetos econômicos com o rigor que o cuidado com a preservação dos recursos naturais para as futuras gerações exigia e com a celeridade que o desenvolvimento econômico e social demandava. Os auditores concluíram, entre outras coisas, que havia excesso de foco nos processos e “pouca atenção aos efeitos ambientais e sociais de um determinado empreendimento ou à efetividade das medidas mitigadoras adotadas”.

Viram também dificuldade de acompanhamento das condicionantes às licenças, gerando acúmulo delas que atrasavam a concessão das licenças. Identificaram também falta de padronização dos processos que, somada a Estudos de Impactos Ambientais (EIAs) ruins, geravam decisões conservadoras por parte dos analistas ambientais, temerosos de serem responsabilizados judicialmente por danos futuros provocados pelo projeto analisado.

A essas constatações do TCU somava-se a percepção geral, inclusive dentro do próprio governo, de que a falta de coordenação entre o Ibama e outros órgãos envolvidos no processo de licenciamento, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da União (Iphan) era outro entrave de respeito. O licenciamento ambiental era visto como o grande gargalo, especialmente dos projetos de infraestrutura.

Quase quatro anos depois, há mudanças na realidade, reconhecidas por boa parte dos atores envolvidos nos processos. “O Ibama de hoje é significativamente melhor do que era há cinco anos”, disse ao Valor um analista de um dos órgãos de controle e fiscalização dos processos – TCU, Ministério Público Federal (MPF) e Advocacia Geral da União (AGU) – federais de licenciamento, que preferiu não se identificar. O próprio TCU, ao fiscalizar o cumprimento das determinações e recomendações feitas em 2009, concluiu em 2011 que o órgão ambiental estava trabalhando para cumprir a maioria delas.

“O Ibama não é mais o gargalo de coisa nenhuma”, afirma Gisela Forattini, diretora de licenciamento ambiental do órgão. Segundo ela, correm paralelamente processos de aperfeiçoamento tanto do aparelhamento técnico do Ibama como “das normativas que precisamos para trabalhar”. Gisela cita entre essas a Portaria Interministerial 419, de outubro de 2011, definindo os papéis dos vários órgãos federais intervenientes nos processos de licenciamento.

Os números também dão suporte às palavras da diretora. Em 2003 o Ibama concedeu 138 licenças nos mais variados estágios, incluindo licença prévia, licença de instalação e licença de operação, com um efetivo de 130 técnicos na sede (Brasília). No ano passado foram 700 licenças, e nos três primeiros meses deste ano, 208, com um efetivo de 240 técnicos em Brasília e mais 160 nos núcleos regionais.

“Temos percebido alguns avanços, mas focados principalmente no Ibama. O Instituto passou a trabalhar nos últimos tempos de forma mais positiva, mais ativa. Isso tem sido muito importante para buscar a solução de conflitos que surgem na gestão socioambiental dos projetos de infraestrutura, conflitos esses que se agravam, principalmente em empreendimentos de energia elétrica e de ferrovias nas regiões Norte e Centro-Oeste”, diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Para Godoy, mesmo com medidas como a Portaria 419, que estabelece prazo de 90 dias no caso de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), para manifestações conclusivas dos órgãos envolvidos no licenciamento além do Ibama, “ainda há problemas em outras instituições que fazem parte do licenciamento ambiental, mas que não são especializadas nesse assunto”.

A diretora Gisele, do Ibama, afirma que hoje o calcanhar de Aquiles está na má qualidade de muitos EIAs, que frequentemente são executados por consultorias desaparelhadas para fazê-los. Grandes empresas, como a Petrobras e a Vale, já perceberam isso e montaram estruturas para cuidar da questão ambiental. Um EIA bem feito, segundo ela, acelera muito o prazo de licenciamento. Nesse aspecto da qualidade dos estudos ela conta com a aliança do MPF, um dos elos da cadeia que têm sido vistos como obstáculo à livre fluidez dos processos de licenciamento. “Levantamos questões e informações de que há falhas muito graves no que diz respeito à produção de EIAs”, disse o procurador da República João Akira, que coordena desde 2002 o Grupo de Trabalho de Licenciamento de Grandes Empreendimentos do MPF.

Segundo ele, “quando muito”, uma parte expressiva dos estudos consegue levantar dados do impacto “biótico” (referentes aos recursos naturais), deixando de lado os impactos “antrópicos” (socioambientais), sendo que estes causam “profundas alterações” nas áreas de instalação de grandes projetos.

Para Akira, cabe aos órgãos do Estado devolver os estudos ruins aos seus autores para que eles sofram as consequências. Ele também tem críticas à Portaria 419. Considera que o estabelecimento de prazos sem que os órgãos, como a Funai, tenham estrutura para cumpri-los adequadamente está errado e fará com que o licenciamento acabe parando na Justiça.

Para o professor de Direito Ambiental da PUC-Rio Fernando Walcacer, “o EIA não pode ser visto como um obstáculo ao empreendedor” e por isso mesmo “precisa ser bem feito”. Ele considera o licenciamento ambiental “uma das instituições mais importantes da Política Nacional de Meio Ambiente, criada em 1981, por contemplar o “princípio da prevenção do dano”, para ele, uma das figuras mais caras ao Direito Ambiental. “Até porque reparar [o dano] muitas vezes é impossível”, pondera.

Para o economista Ronaldo Seroa da Motta, ex-coordenador de Estudos Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o licenciamento é a forma mais simples de corrigir o risco (ambiental) na origem. Na sua opinião, partindo do Termo de Referência (os parâmetros para o licenciamento de um projeto) estabelecido pelo órgão licenciador, esse risco já está relativamente precificado para a indústria onde o impacto é pontual e as tecnologias mitigadoras são conhecidas na maioria dos casos.

O problema, segundo ele, está na área de infraestrutura onde não existe nada pontual e tudo é muito complexo. “Eu vou perder ambiente para oferecer um serviço. Posso compensar? Posso, mas como definir a compensação ideal?”, questiona, recolocando a problemática da grande quantidade de órgãos envolvidos no processo de licenciamento.

Para o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (2008-2010), atual secretário do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, para resolver o problema da diversidade de órgãos no plano federal “é essencial que seja criada uma coordenação geral que comande o trabalho de órgãos tão diversos como o Ibama, a Funai, o Iphan e a Fundação Palmares” (cuida de comunidades quilombolas).

Minc considera ainda essencial que o ministro do Meio Ambiente tenha força política para dizer não a projetos que considere inviáveis ambientalmente, lembrando que ele teve que enfrentar outros ministros para barrar a construção de termelétricas a carvão, o asfaltamento da BR-319, na Amazônia, e o plantio de cana no Pantanal. ‘É falso o antagonismo entre crescimento e preservação. Mas é preciso [para quem cuida das questões ambientais] ter força política”, diz. No Rio, ele conseguiu reunir três antigos órgãos ambientais em um só, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

Fonte:Valor Econômico/Chico Santos | Do Rio

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